OS LIVROS DE JÚLIO POMAR:
ITINERÂNCIA DA LEITURA, ESCRITA, PINTURA
05 julho 2021 – 10 outubro 2021
Curadoria: Mariana Pinto dos Santos
Não é para contar estórias que tu escreves ou eu pinto.
A estória é o que deitamos na panela a amornar nas cinzas
onde inesperado sopro lhe levantará fervura.
А cozinha é а cozinha сomo uта rosa é uma rosa,
querem coisa mais simples?
Júlio Pomar, Assim trabalho eu, 2004
“Desde cedo, Júlio Pomar estabeleceu uma relação entre a sua pintura e a literatura que lia ou que os seus amigos ou contemporâneos escreviam, traduziam, editavam. Num texto sobre Cardoso Pires, escreveu que «literatura e arte eram coisas perfeitamente indissociáveis».
Não só fez várias capas de livros, como também desenhou e pintou variadas obras literárias.
Muitos dos seus trabalhos não “ilustram”: não querem iluminar ou revelar a obra literária com que se relacionam, mas sim continuá-la por outros meios. São «variações», para usar um termo do artista.
Os livros, as pinturas e os desenhos nesta exposição mostram os itinerários de Júlio Pomar entre a leitura, escrita e pintura, considerando a leitura como etapa primordial, um pre-texto para a pintura. A relação entre texto e imagem é sublinhada pela transcrição nas paredes do AMJP de excertos de algumas das obras literárias ou poéticas que os seus trabalhos evocam, numa intervenção visual do artista Horácio Frutuoso.
Propõe-se uma exposição antológica dos livros de Júlio Pomar, entendidos num sentido lato: os livros que fizeram parte do seu imaginário pictórico, os livros que pintou/desenhou, os seus livros e edições de artista, e os seus escritos poéticos e sobre pintura.
Entre as obras de Júlio Pomar apresentadas, poder-se-ão ver exemplos das que abordam os temas de D. Quixote e Ulisses, duas das suas que relações literárias mais duradouras e profícuas, mas também as que derivam de obras de Cardoso Pires, Ferreira de Castro, Tolstoi, Aquilino Ribeiro, Maria Velho da Costa, Malcolm Lowry, Jorge Luís Borges, Castro Soromenho, Eça de Queiroz, Dante, Carlos de Oliveira, Lewis Carroll, Fernando Pessoa, Edgar Allan Poe, Richard Zimmler, entre outros, incluindo desenhos e pinturas inéditos. Através do percurso aqui proposto desenha-se também uma trama na qual se vislumbra, por via da relação entre o literário e o pictórico, uma história cultural e política, pessoal e colectiva.”
Na foto: “Navio Negreiro”, 2005-2012 (a partir de D. Quixote); ilustrações para Terra Negra, de Castro Soromenho; ilustrações para A Selva, de Ferreira de Castro (col. Ilídio Pinho)
É com Camões e a Ilha dos Amores, Os Lusíadas canto IX, que se inicia, ainda em desenho, a nova vertente da obra de JP, em que toma a primazia a pintura literária e a pintura de história, a par dos retratos de escritores. Logo após a longa série dos Tigres, e quando se ocupa das ilustrações para um livro que reúne um poema de Edgar A. Poe e os seus tradutores (O Livro dos Quatro Corvos, 1982-85), esses desenhos são os originais para azulejos da estação do Alto dos Moinhos. “Pintor dotado de pouca inventiva, foi-me sempre necessário um esteio, um enredo, uma relação afectiva, para que, bem ou mal, a mão se ponha em marcha. De retratos de poetas se tratava então – à volta do poema “O Corvo” de Edgar Allen Poe… (…) Pessoa já andava pelo atelier, os nomes de Camões e de Bocage, presentes na memória popular – por razões, aliás, aí tantas vezes alheias à sua invenção poética – eram inevitáveis. O número quatro completei-o com Almada que nos deixou uma das escritas mais visuais deste século.” “evocar quatro poetas com lugar de marca na mitologia da cidade.” “cobrir as superfícies que me eram oferecidas de graffitis da minha lavra” – graffiti, “esse modo irreverente de expressão”. Aos retratos associaram-se as figuras e personagens dos seus mundos poéticos. Com Camões entreabre-se a porta dos mitos, das sereias, de Pégaso e da Fama, da Ilha dos Amores e da sua tradição greco-latina de Homero e Virgílio. (no blog: https://fundacaojuliopomar.org/blog/