CATCH – Desenhos / litografias de Júlio Pomar – 1965 / 1978 / 2014 – Éditions de la Différence / Fundação Júlio Pomar (distribuição)
34 desenhos de 1965, passados a litografias em 1978 por iniciativa de Joaquim Vital e Éditions de la Différence, numa tiragem para cada estampa de 99 exemplares autografados e numerados, mais 30 provas de artista. Apresentados num álbum-caixa produzido em 2014 pela Fundação Júlio Pomar, em apenas 36 exemplares com estampas da tiragem normal e mais 15 com a tiragem de provas de artista, fora do mercado.
Esta edição é acompanhada por um texto original do artista sobre a série «Catch» e sobre este projecto editorial, publicado em caderno que também é numerado e autografado.
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Júlio Pomar – Catch : Tema e Variações
Comprometi-me a fabricar meia dúzia de linhas com o fito de explicar os porquês desta apresentação tardia de Catch, série de litografias que registam a quase totalidade dos estudos resultantes da minha frequentação deste espectáculo popular. A arrumação em série cedo se tornaria um hábito meu, como a melhor maneira de pôr em prática as tentações, intuições ou obstinações que o próprio trabalho vai ajudando a definir.
Assim aconteceu com as Tauromaquias e as “Courses”, estas realizadas já integralmente em Paris, onde, no ano de 1963, eu me havia fixado. Contrariamente às Tauromaquias que compreendiam tanto pinturas a óleo como as gravuras a agua-forte realizadas nas oficinas da Cooperativa Gravura, esta série do Catch ficaria reduzida a uns quantos desenhos, dado que as pinturas paralelamente realizadas foram por mim destruídas na sua quase totalidade; salvar-se-iam ( salvo erro ) duas! – uma, a inicial, a outra realizada após a série de desenhos ter sido dada por terminada.
Dos desenhos se tiraria este conjunto de litografias, por iniciativa do meu amigo Joaquim Vital, infelizmente já desaparecido. Tão português como eu, um homem das Arábias que se fixara em Paris e, através das suas Éditions de la Différence, se multiplicava em iniciativas audazes, como a publicação da Peregrinação, de romances de Eça de Queiroz e de poesias de Herberto Helder, de Sophia de Mello Breyner ou de Vasco Graça Moura, estes dois exemplarmente traduzidas por ele próprio. Outras iniciativas suas ficavam involuntariamente à espera de melhores dias e tal foi o caso de “Catch, série de 34 dessins au crayon et encre de Chine exécutées à Paris en 1965; ils furent inspirés à Pomar par le spectacle de combats organisés à l’époque Salle Wagram. Une édition de grand luxe de Catch vient de paraître à la Différence».
Afirmação prematura que se pode ler na revista “Discordance” da qual sairia apenas um número. Em 1984 as Éditions de la Différence publicavam o meu Discours sur la cécité du peintre e Catch: Théme et Variations, volume que reproduz a série assim chamada acompanhado dum texto do autor ” – dont le thème est le dessin, et ce dessin je le vois avant tout comme l’écoute du trait.”
Este pequeno volume deveria anunciar e promover a edição da série completa litografada em seu tamanho real ; mas mais uma vez isso não aconteceu e é somente agora que o conjunto integral se apresenta.
Luta, 1965 (65×81 cm) / Catch, 1965 (90x116cm) / Catch, 1967 (100×81 cm) – as 3 telas sobreviventes – ver na notícia sobre Void* 2017 os ‘catch’ destruídos
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A minha série dos touros nascera num domingo de Lisboa, em que o acaso me fez passar à porta da praça do Campo Pequeno. Nesse tempo as corridas de touros eram ainda nas tardes de domingo e o sol das touradas não fora substituído pela luz eléctrica das noites de semana.
Aí por volta dos meus 8 anos, faço as contas de cabeça e por pouco me devo enganar, pela mão do meu tio Simões descobri o teatro dos touros e foi essa recordação que muitos anos volvidos me levou à procura de sensações semelhantes; e mais tarde, às esperas e às tentas.
Quando no início dos anos sessenta me instalei em Paris, quis a sorte que eu alugasse um estúdio na Rua Molitor; consultando um dicionário vim a saber que Molitor tinha sido o nome do primeiro tradutor francês de Marx e igualmente o dum general (não me lembro já se do tempo de Napoleão ou não), a inscrição na rua não dizia de qual dos dois se tratava. Vim a saber também que aqui havia vivido Bonnard! A dois passos era o hipódromo de Auteuil.
Corria o ano da minha exposição das “Tauromachies” na Galerie Lacloche, uma das últimas senão a última das galerias de arte a abandonar a Place Vendôme. A exposição estava há mais de dois anos apalavrada e eu a adiá-la. No estio que lhe sucedeu não vim a Portugal e num domingo desocupado ( os domingos de Paris, meu pobre Mario de Sá Carneiro !) deu me a curiosidade de ver o que se passava por detrás das grades em matéria de corridas.
Nenhuma semelhança com os rituais da Tauromagia ( a invenção da palavra é do Alberto de Lacerda, que assim deu o título a um livrinho que juntava a poemas seus alguns desenhos meus ). Visto de face o tropel dos jockeys e de suas montadas tão depressa aparece como irá desaparecer, a imagem de homens e animais a formar-se quase instantaneamente e quase instantaneamente a desfazer se. Dir-se-ia agredir o olhar que a quer reter ; e ela a frustá-lo, fundindo-se na distância.
Mas das tribunas a visão será outra : aí o espectador já pode desarticular o tropel, separar os participantes, avalisar hierarquias, destrinçar a diferença das velocidades. É a óptica do apostador que do tropel isola um detalhe apenas, o cavalo em que apostou. O que não é evidentemente o meu caso : aquilo a que eu serei sensível será a magia que opera a assunção visual da massa num tropel que indistintamente funde cavalos e cavaleiros : como se de uma só matéria se tratasse ou dum monstro de mil patas.
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A tourada e a corrida de cavalos são espectáculos que vivem de uma competição real que envolve tanto o homem como o animal. Nada de semelhante no Catch onde tudo é fingimento, simulação, teatro e um teatro boçal que se apropria das imagens brutais duma luta para despertar os instintos do publico ; é o fingimento que fustiga a necessidade de acreditar na realidade das forças que se apregoando como antagónicas farão vibrar o espectador. Remete-se o leitor para o claríssimo e histórico livro de Roland Barthes sobre as mitologias que operam no quotidiano.
…… E em complemento de informação e dado que a invenção me falha, ouso lembrar ao leitor como terminava um artigo meu em tempos publicado na revista ” Colóquio “ sobre possíveis afinidades entre dois criadores da minha particular afeição, Alberto Giacometti e Jean Genet : ” só o teatro é real».
14/7/20014