O corpo, o sexo, o erotismo na obra de Júlio Pomar – Atelier-Museu 2019

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Título da exposição: “Formas que se tornam outras” – Atelier-Museu Júlio Pomar – 02.05.2019 / 29.09.2019 – Curadoria de Sara Antónia Matos e Pedro Faro

“A exposição do Atelier-Museu Júlio Pomar reflecte sobre o modo como o corpo, o erotismo, a sensualidade e a sexualidade atravessaram o percurso do artista ao longo de mais de 70 anos, com especial incidência nas décadas de 1960 e 1970, altura em que o trabalho de Júlio Pomar assumiu estes aspectos de forma mais explícita.

«Pomar atrai o nosso olhar para o inconfessável. Mas não há nada de lúbrico nesse olhar, que é de vidente, não de mirone. Não conheço abordagem mais sensual, e ao mesmo tempo intelectualizada, do erotismo» – sublinha Michel Waldberg, no texto “Júlio Pomar, À Queima Roupa”.

O título desta exposição, que reúne mais de 80 obras de Júlio Pomar, parte de uma afirmação do próprio artista – «Gosto de formas que se tornam outras» – retirada do seu livro “Da cegueira dos pintores”, de 1986. E, antes, do texto “O Escrito”, de 1981: “«Amo as formas que se tornam outras». Estas palavras ocorreram-me há muito tempo: no momento (inclino-me agora a crer) em que já não podia fixar a minha pintura na evocação do movimento tirado de um espectáculo – toradas, corridas de cavalos, combates de luta livre -, movimento que eu tinha até então tratado no quadro tradicional do modelo do pintor: ou seja, como objecto ou conjunto de objectos delimitado no espaço e no tempo, cujas relações com o pintor e com a tela não tinham quebrado a unidade de lugar, de tempo e de acção da tragédia clássica” (Júlio Pomar).

Nesta exposição, o corpo é como que um elemento condutor, que dirige o espectador e o pintor por entre obras, de diferentes períodos, interligando-as. É importante perceber então que as formas corporais que aparecem nestas pinturas, assemblagens, cenografias, esculturas, desenhos e obra gráfica – gravuras, cartazes, serigrafias e ilustrações para livros – , por vezes parecendo escapar-se e destacar-se do plano de representação, têm a função de organizar e pensar a própria pintura, bem como a realidade, a natureza e as narrativas que nela intervêm. Pretexto, como assinala Raquel Henriques da Silva, no texto “Pomar, Dos Corpos aos Mitos”, para fazer «uma funda reflexão sobre o ser pintor, no tempo anunciante do fim de todos os sistemas e de todas as certezas».

A paradigmática Le Bain Turc (d’après Ingres), de 1968, presente e central nesta exposição onde se podem encontrar sinais relativos a uma manifesta erupção do corpo, do sexo e do erotismo é uma das várias obras em que Júlio Pomar assume, no título, o nome da obra e do artista que lhe serve de referência. Na obra em causa, Pomar opera uma revisitação de um importante episódio da história da arte, particularmente da pintura, mostrando que a cor plana que preenche as formas lhes proporciona um recorte preciso, sendo isso suficiente para conferir estrutura ao quadro. Assim, a cor em si mesma passa a funcionar como uma forma; esta diferencia-se das cores adjacentes ou do fundo porque fornece um recorte, e todas as cores-forma em conjunto confluem na estruturação e equilíbrio dos planos.

Deste modo, pode dizer-se que Pomar testa, ao nível da dimensão sensível, isto é, da cor, sínteses sobre a construção de uma imagem.

A este propósito, Júlio Pomar é claro: «Ingres e Matisse, os dois juntos, ajudaram-me no meu trabalho. A influência deles foi complementar e decisiva. […]. Eu sentia a pintura como que a esvair-se, sentia que estava a perder-me no vago. Ingres e Matisse ajudaram-me a ir contra a corrente, devolveram-me o gosto pela construção firme, pela cor pura. Ingres ensinou-me a “desenhar recortando” (mais tarde, seduzido pela escrita sincopada de Rembrandt, insurgi-me contra isso). As verdadeiras formas recortadas, realmente feitas à tesoura, vieram muito tempo depois, pela via de Matisse. Ambos me levaram ao arabesco. A utilização de planos de cores lisas, que reduz o claro-escuro a uma discreta animação da superfície, é outro ponto comum entre os dois mestres. A cor vivamente saturada e estendida, em planos lisos, aprendi-a eu nos grandes guaches recortados de Matisse.»

Pode considerar-se então que Le Bain Turc (d’après Ingres) é uma obra incontornável de viragem. Ela é um ponto de partida para a série de propostas que viriam a seguir, nomeadamente as colagens. Sobre o seu intenso fundo pintado de azul, que é também forma, articulam-se outros planos de cor recortados, testando relações de vizinhança, complementaridade, cromática e formal, como se a imagem, o que se dá a ver, pudesse por si só explicar a lógica da sua composição. Dito de outro modo, é como se a pintura fornecesse, ela própria, a chave para a sua análise. As cores definem os contornos, estes são a base das formas e estas, trabalhando em conjunto, geram a composição que dará tensão, contraste e dinâmica aos vários planos.

A exposição que abrangerá obras das décadas de 40 aos anos 2000 procurará acompanhar a metamorfose dos corpos ao longo da obra de Júlio Pomar, a transformação de formas e gestos que se tornam outros, proporcionando uma intrigante reflexão sobre a figuração e a prática da pintura enquanto tal.

As imagens que surgem na superfície das obras partem de pequenas narrativas, figurações culturais ou experiências fenomenológicas, suscitando uma interrogação sobre a correspondência entre a obra de arte e a verdade. Tal como lembra o filósofo francês Jacques Derrida em La Vérité en peinture, a exactidão não é sinónimo de verdade, e a «verdade dá-se [e acontece] em pintura».

No decurso da exposição publicar-se-á um catálogo [com edição do Atelier-Museu Júlio Pomar/ Documenta] com textos dos curadores Sara Antónia Matos e Pedro Faro, e de Liliana Coutinho, António Fernando Cascais e Maria Velho da Costa, com imagens das obras instaladas no espaço.

No âmbito desta exposição foi organizado um ciclo de cinema onde serão mostrados os vários filmes que Tereza Martha realizou, nas décadas de 1970 e 1980, sobre vários artistas portugueses, nomeadamente sobre o próprio Júlio Pomar, sobre António Dacosta, Menez, Hogan, Lourdes Castro e Manuel Zimbro. ” (texto AMJP)

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